O ANO DE 2014 PODE REPRESENTAR, NO FUTURO, UM MARCO NO PROCESSO DE
CONSCIENTIZAÇÃO A RESPEITO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS. RESTA SABER SE, FINALMENTE
CONVENCIDOS DO PERIGO, CONSEGUIREMOS PARTIR PARA A AÇÃO COM A AGILIDADE
NECESSÁRIA.
EM UMA DECLARAÇÃO EMBLEMÁTICA DO MOMENTO ATUAL, O PRESIDENTE DOS ESTADOS
UNIDOS, BARACK OBAMA, COMPAROU OS QUE AINDA NEGAM O FENÔMENO AOS QUE ANTES
PENSAVAM QUE A LUA ERA FEITA DE QUEIJO. FOI EM JUNHO, QUANDO ANUNCIOU
US$ 1 BILHÃO PARA FINANCIAR MEDIDAS QUE ATENUEM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS. EMBORA
OS ESTADOS UNIDOS CONTINUEM ENTRE OS TRÊS PAÍSES DO MUNDO
NÃO SIGNATÁRIOS DAS CONVENÇÕES DE CLIMA – AO LADO DO VATICANO E DE ANDORRA –,
O PACOTE AMBIENTAL MOSTRA QUE ATÉ A NAÇÃO MAIS PODEROSA DO PLANETA COMEÇA A SE
CURVAR À PILHA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS QUE COMPROVAM QUE A TERRA ESTÁ FEBRIL.
NÃO POR ACASO, O ANÚNCIO OCORREU APÓS A DIVULGAÇÃO DOS DOIS ÚLTIMOS RELATÓRIOS
DA QUINTA EDIÇÃO DO PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (IPCC),
DA ONU, EM MARÇO E ABRIL DESTE ANO. COM A PARTICIPAÇÃO DE MAIS
DE 800 PESQUISADORES DE 130 PAÍSES, O ESTUDO PREVÊ QUE
AS EMISSÕES DE GASES CAUSADORES DO EFEITO ESTUFA ELEVARÃO A
TEMPERATURA MÉDIA DO PLANETA ENTRE 2,6°C E 4,8°C ATÉ O FIM DO SÉCULO.
E CONCLUI, COM “95% DE CERTEZA”, QUE O SER HUMANO FOI O PRINCIPAL
RESPONSÁVEL PELA ELEVAÇÃO DAS TEMPERATURAS, ESPECIALMENTEA PARTIR
DE 1950.
– OS QUE NEGAM A MUDANÇA CLIMÁTICA SUGEREM QUE AINDA EXISTE DEBATE CIENTÍFICO,
MAS NÃO EXISTE – DEFINIU OBAMA, CONSIDERANDO ENCERRADA A POLÊMICA.
A ELEVAÇÃO DA TEMPERATURA É ASSOCIADA A RISCOS CRESCENTES DE
EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS,INFESTAÇÃO DE DOENÇAS ASSOCIADAS A VETORES
DE CLIMA QUENTE, FALTA DE ÁGUA E DE ALIMENTOS.
– 2014 É UM ANO IMPORTANTE NESSA DISCUSSÃO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
CHEGAMOS AO QUINTO RELATÓRIO DO IPCC E ELE DEIXA CLARO
QUE A GENTE JÁ ULTRAPASSOU O PONTO EM QUE A MITIGAÇÃO DAS
EMISSÕES DE POLUENTES SERIA SUFICIENTE PARA REVERTER O QUADRO. MESMO QUE
PARASSEM TODAS AS EMISSÕES, PELOS PRÓXIMOS CEM ANOS AINDA SENTIRÍAMOS OS
EFEITOS – ARGUMENTA FABIO SCARANO, VICE-PRESIDENTE SÊNIOR DA DIVISÃO AMÉRICAS
DA CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL E PROFESSOR DA UFRJ, QUE FOI UM DOS RESPONSÁVEIS
PELO CAPÍTULO DA AMÉRICA CENTRAL E DO SUL DO IPCC.
OS SINTOMAS ESTÃO EM TODA PARTE. PORTO ALEGRE TEVE
O JANEIRO MAIS QUENTE DE SUA HISTÓRIA E, ATUALMENTE, SÃO PAULO SOFRE
COM A FALTA CRÔNICA DE ÁGUA. SITUAÇÕES QUE TENDEM A SE AGRAVAR NAS PRÓXIMAS
DÉCADAS, COM MAIS ENCHENTES NA REGIÃO SUL, SECA NO SUDESTE E RISCOS DE
DESERTIFICAÇÃO EM REGIÕES DO NORDESTE E SAVANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA.
O PROFESSOR MARCOS BUCKERIDGE, DO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS DA USP,
EXPLICA QUE O AUMENTO DA CONCENTRAÇÃO DE GÁS CARBÔNICO NA ATMOSFERA TEM COMO CONSEQUÊNCIA
UMA ESPÉCIE DE “OBESIDADE VEGETAL”. ASSIM, APESAR DE AS PLANTAS
CRESCEREM MAIS, POR AUMENTAREM A TAXA DE FOTOSSÍNTESE COM O A MAIOR
DISPONIBILIDADE DE CO2, CONTUDO, PERDEM NUTRIENTES, PORQUE
A CONCENTRAÇÃO DE NITROGÊNIO É REDUZIDA. A SE CONFIRMAREM
AS PREVISÕES DE QUE A CONCENTRAÇÃO DE GÁS CARBÔNICO NA ATMOSFERA DOBRARÁ ATÉ
2080, OPERCENTUAL DE NITROGÊNIO DAS PLANTAS CAIRÁ 7%, AFETANDO A QUALIDADE
AGRÍCOLA.
– TALVEZ SEJA PRECISO MUDAR O CULTIVO DAS REGIÕES, E ISSO CUSTA
DINHEIRO. É O CUSTO DA MUDANÇA CLIMÁTICA. A QUALIDADE DA SOJA VAI BAIXAR, O
ALIMENTO PODE SE TORNAR MAIS CARO, O QUE PODE LEVAR A PROBLEMAS ECONÔMICOS,
PORQUE A QUALIDADE ESPERADA PELO COMPRADOR PODE NÃO SER CORRESPONDIDA – ENUMERA
BUCKERIDGE.
VISTO COMO UM BOM EXEMPLO AMBIENTAL NO CENÁRIO GLOBAL, O BRASIL TERIA
CHANCE DE SER PROTAGONISTA DA MUDANÇA.
– O BRASIL É O CELEIRO DO MUNDO, PODERÍAMOS APROVEITAR ESTE MOMENTO PARA
PRODUZIR MAIS COMIDA. PARA ISSO, PRECISARÍAMOS DE UMA NOVA REVOLUÇÃO VERDE,
INVESTINDO EM TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR – DEFENDE BUCKERIDGE.
A VIRADA TAMBÉM PASSA POR MUDANÇA NAS FONTES DE ENERGIA. SEGUNDO SUZANA
KAHN, PROFESSORA DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
DE ENGENHARIA (COPPE) DA UFRJ E VICE-PRESIDENTE DO IPCC, 80% DO AUMENTO
DAS EMISSÕES DOS GASES DO EFEITO ESTUFA SE DEVE À QUEIMA DE COMBUSTÍVEIS
FÓSSEIS,O QUE TORNA A QUESTÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL UM PROBLEMA NO USO
DE ENERGIA. E OS OBSTÁCULOS PARA A TRANSIÇÃO SÃO MAIS DE NATUREZA ECONÔMICA
DO QUE TECNOLÓGICA.
– AS TECNOLOGIAS EXISTEM. TEMOS VEÍCULOS ELÉTRICOS, BIOCOMBUSTÍVEIS,
ENERGIA SOLAR. NÃO PRECISAMOS DESCOBRIR NADA NOVO, MAS PASSA POR UMA QUESTÃO DE
ECONOMIA, DE MUDAR O MODELO, RETIRAR SUBSÍDIOS DE SETORES POLUENTES. COM ISSO
JÁ É POSSÍVEL REDUZIR SIGNIFICATIVAMENTE AS EMISSÕES. ALGUMAS MUDANÇAS JÁ ESTÃO
ACONTECENDO, TANTO QUE, MESMO COM A CRISE, FORAM AS ENERGIAS RENOVÁVEIS AS QUE
MAIS CRESCERAM – PONDERA SUZANA.
FABIO SCARANO, DA CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL, LEMBRA QUE MEDIDAS BARATAS
COMO PROTEGER OS MANGUES PODEM SER TÃO EFICAZES COMO CONSTRUIR
CARÍSSIMOS DIQUES PARA CONTER A ELEVAÇÃO DO NÍVEL DOS OCEANOS.
– FICOU PROVADO QUE, QUANDO O TSUNAMI ATINGIU AS ILHAS
DO PACÍFICO, AS QUE TINHAM MAIS COBERTURA VEGETAL NA COSTA SOFRERAM MENOS
IMPACTO DO QUE AS QUE NÃO TINHAM – EXEMPLIFICA SCARANO.
DIANTE DAS ADVERSIDADES CLIMÁTICAS, A GESTÃO DAS CIDADES PRECISARÁ SER
REPENSADA PARA EVITAR O CAOS. EM VEZ DE AGIR NAS EMERGÊNCIAS E SE ESPANTAR COM
CADA “CHUVA HISTÓRICA”, GOVERNANTES PRECISARÃO INVESTIR EM PLANOS DE CONTENÇÃO
DE LONGO PRAZO.
– EXISTE UMA TENDÊNCIA DE CULPAR A NATUREZA, MAS ONDE AS PESSOAS MAIS
ATINGIDAS COSTUMAM MORAR? GERALMENTE EM ÁREAS DE RISCO, COM DRENAGEM
NEGLIGENCIADA AO LONGO DOS ANOS. A MUDANÇA NO CLIMA VAI EXIGIR OUTRA MANEIRA DE
PENSAR NAS AÇÕES, ESPECIALMENTE NA GESTÃO PÚBLICA. É UMA MUDANÇA GLOBAL, MAS
REQUER AÇÕES LOCAIS – DEFENDE O BIÓLOGO JACKSON MÜLLER, PROFESSOR DA UNISINOS.
OS PROGNÓSTICOS INDICAM QUE OS MAIS POBRES SERÃO INICIALMENTE OS MAIS
IMPACTADOS PELAS MUDANÇAS, MAS O PROBLEMA ESTÁ LONGE DE SER UMA QUESTÃO DE
CLASSE: NÃO HÁ IMUNIDADE CLIMÁTICA.
“O Brasil é um dos exemplos mais importantes do mundo”
Presidente
do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que recebeu o prêmio
Nobel da Paz em 2007 pelo trabalho de construir e disseminar conhecimento sobre
as alterações causadas por ação humana, o cientista indiano Rajendra K.
Pachauri teria evidências de sobra para fazer um discurso pessimista sobre
o futuro do planeta.
Mas prefere destacar
a oportunidade única que o mundo tem agora de impedir que as piores previsões
se cumpram – e destaca o Brasil como um exemplo a ser seguido pelas medidas que
tem adotado. Confira a seguir a entrevista, concedida por e-mail:
O senhor disse que
ninguém no planeta ficará intocado pelo impacto das mudanças climáticas. Na sua
opinião, qual o principal risco ignorado?
Rajendra K.
Pachauri – O grande risco que enfrentamos é a falta de ação. Temos a
tecnologia para desacelerar as mudanças climáticas. O risco é não usarmos isso
e continuarmos a seguir com a queima de combustíveis fósseis, a implementação
de políticas danosas de uso da terra, que contribuam para a mudança climática,
e a usar energia de forma ineficiente. Quanto mais o clima for modificado,
maiores riscos iremos enfrentar. Magnitudes de aquecimento aumentam a
probabilidade de impactos graves e generalizados, que podem ser surpreendentes
ou irreversíveis. E, quanto mais esperarmos para agir, mais caro será para
evitar os piores impactos. A mudança climática já está tendo um impacto, e
esses impactos são um prenúncio do futuro se não agirmos para reduzir e,
finalmente, eliminar as emissões de gases que causam o aquecimento global.
Esses impactos já afetaram a agricultura, a saúde humana, os ecossistemas em
terra e nos oceanos, abastecimento de água, e os meios de vida de algumas
pessoas. E estão ocorrendo a partir dos trópicos para os polos, de pequenas
ilhas aos grandes continentes e dos países mais ricos aos mais pobres. No
entanto, são os países mais pobres que mais sofrem com as mudanças climáticas
absolutas.
O IPCC mostra com 95%
de certeza que a influência humana foi a causa predominante do aquecimento
observado desde meados do século 20 – e prevê que as temperaturas podem se
elevar a 4,8ºC até o fim do século. Qual a primeira ação para evitar isso?
Pachauri – Não
há uma primeira ação. Há muitas ações que precisam ser tomadas ao mesmo tempo
em todo o mundo. Felizmente, algumas já estão em andamento por parte dos
governos locais e nacionais e do setor privado. Por exemplo, metade de toda a
nova capacidade de geração de energia elétrica em 2012 veio de energia
renovável. Estamos fazendo progressos, mas precisamos pegar o ritmo. É evidente
que precisamos acelerar o nosso uso de energia renovável. Nós também nos
beneficiaríamos de um acordo global vinculativo em 2015 para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa.
Como convencer os
países a se adaptarem e a mitigarem esses efeitos, apesar de tantos diferentes
interesses políticos e econômicos em jogo?
Pachauri – A
missão do IPCC é fornecer aos gestores políticos informações objetivas sobre a
mudança climática. Essa informação é retirada de milhares de trabalhos de
pesquisa, escritos por profissionais líderes de todo o mundo. Ela representa um
dos empreendimentos mais ambiciosos da história da ciência. Temos esperança de
que as informações que fornecemos irão instruir a discussão política sobre como
responder às mudanças climáticas. Há muitos avanços para comemorar, como
resultados da crescente conscientização sobre as mudanças climáticas, com base
na quantidade extraordinária de informação científica. O custo da energia
renovável caiu, enquanto a eficiência dos dispositivos de energias renováveis
aumentou. A China, maior contribuinte mundial para as emissões de gases do
efeito estufa, está avaliando um limite obrigatório para o uso de carvão, e os
Estados Unidos estão tomando medidas para reduzir a poluição de carbono. Estes
são apenas alguns dos muitos exemplos de todo o mundo que me dão esperança de
que vamos tomar as medidas necessárias para deter a mudança climática.
Que boas práticas o
senhor destacaria no mundo para inspirar outros países?
Pachauri – O
Brasil é claramente um dos exemplos mais importantes do mundo quando se trata
de combater a mudança climática, e vocês devem ser elogiados – e copiados.
Vocês têm mostrado ao mundo que é possível reduzir os impactos das mudanças
climáticas sem consequências drásticas para a economia. Estou falando, claro,
sobre a política brasileira para reverter o desmatamento. Como usamos a terra,
especialmente a forma como tratamos nossas florestas, tem uma grande influência
sobre as mudanças climáticas, porque as plantas absorvem o carbono que de outra
forma aquece a nossa atmosfera. E o Brasil reduziu seu desmatamento em 70%.
Este é um resultado muito tremendo e significa esperança, servindo como um guia
para o resto do mundo.
Qual a sua expectativa para a próxima década?
Pachauri – Esta é uma questão muito difícil de responder, mas espero que
os governos de todo o mundo possam chegar a um acordo climático obrigatório em
Paris no ano que vem. Espero que aceleremos rapidamente o nosso uso de energia
renovável e sigamos os tipos de medidas que o Brasil tem tomado para reduzir
drasticamente o seu impacto sobre o clima. Estou confiante de que a consciência
sobre a mudança climática continuará a aumentar e que, com essa consciência,
teremos apoio crescente para as ações.
AS DOENÇAS CLIMÁTICAS
Os riscos da mudança
climática para a saúde são um ramo que cada vez ganha maior atenção dos
cientistas. Preocupados com a disseminação de doenças
como malária, dengue e cólera a partir das inundações, secas e desabastecimento,
duas agências da ONU anunciaram a criação de um gabinete conjunto para ajudar a
combater a ameaça que as mudanças climáticas e os fenômenos climáticos extremos
representam para a saúde, Estudo publicado na revista Environmental
Health Perspectives também comprovou a relação entre
o aumento da temperatura e risco de pedras nos rins, associadas a
casos de desidratação e sudorese. Liderada pelo urologista pediátrico e
epidemiológico do Hospital Infantil da Filadélfia, Gregory Tasian, a pesquisa
analisou dados de 60 mil pacientes. Numa comparação a 30°C versus 10°C, o
aumento de risco foi de 38% em Atlanta, 37%, em Chicago, 36% em Dallas e 47% em
Filadélfia.
FONTE: JORNAL ZERO HORA, LETÍCIA DUARTE, 03 de agosto de 2014
(ADAPTADO)
O ANO DE 2014 PODE REPRESENTAR, NO FUTURO, UM MARCO NO PROCESSO DE
CONSCIENTIZAÇÃO A RESPEITO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS. RESTA SABER SE, FINALMENTE
CONVENCIDOS DO PERIGO, CONSEGUIREMOS PARTIR PARA A AÇÃO COM A AGILIDADE
NECESSÁRIA.
EM UMA DECLARAÇÃO EMBLEMÁTICA DO MOMENTO ATUAL, O PRESIDENTE DOS ESTADOS
UNIDOS, BARACK OBAMA, COMPAROU OS QUE AINDA NEGAM O FENÔMENO AOS QUE ANTES
PENSAVAM QUE A LUA ERA FEITA DE QUEIJO. FOI EM JUNHO, QUANDO ANUNCIOU
US$ 1 BILHÃO PARA FINANCIAR MEDIDAS QUE ATENUEM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS. EMBORA
OS ESTADOS UNIDOS CONTINUEM ENTRE OS TRÊS PAÍSES DO MUNDO
NÃO SIGNATÁRIOS DAS CONVENÇÕES DE CLIMA – AO LADO DO VATICANO E DE ANDORRA –,
O PACOTE AMBIENTAL MOSTRA QUE ATÉ A NAÇÃO MAIS PODEROSA DO PLANETA COMEÇA A SE
CURVAR À PILHA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS QUE COMPROVAM QUE A TERRA ESTÁ FEBRIL.
NÃO POR ACASO, O ANÚNCIO OCORREU APÓS A DIVULGAÇÃO DOS DOIS ÚLTIMOS RELATÓRIOS
DA QUINTA EDIÇÃO DO PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (IPCC),
DA ONU, EM MARÇO E ABRIL DESTE ANO. COM A PARTICIPAÇÃO DE MAIS
DE 800 PESQUISADORES DE 130 PAÍSES, O ESTUDO PREVÊ QUE
AS EMISSÕES DE GASES CAUSADORES DO EFEITO ESTUFA ELEVARÃO A
TEMPERATURA MÉDIA DO PLANETA ENTRE 2,6°C E 4,8°C ATÉ O FIM DO SÉCULO.
E CONCLUI, COM “95% DE CERTEZA”, QUE O SER HUMANO FOI O PRINCIPAL
RESPONSÁVEL PELA ELEVAÇÃO DAS TEMPERATURAS, ESPECIALMENTEA PARTIR
DE 1950.
– OS QUE NEGAM A MUDANÇA CLIMÁTICA SUGEREM QUE AINDA EXISTE DEBATE CIENTÍFICO,
MAS NÃO EXISTE – DEFINIU OBAMA, CONSIDERANDO ENCERRADA A POLÊMICA.
A ELEVAÇÃO DA TEMPERATURA É ASSOCIADA A RISCOS CRESCENTES DE
EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS,INFESTAÇÃO DE DOENÇAS ASSOCIADAS A VETORES
DE CLIMA QUENTE, FALTA DE ÁGUA E DE ALIMENTOS.
– 2014 É UM ANO IMPORTANTE NESSA DISCUSSÃO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
CHEGAMOS AO QUINTO RELATÓRIO DO IPCC E ELE DEIXA CLARO
QUE A GENTE JÁ ULTRAPASSOU O PONTO EM QUE A MITIGAÇÃO DAS
EMISSÕES DE POLUENTES SERIA SUFICIENTE PARA REVERTER O QUADRO. MESMO QUE
PARASSEM TODAS AS EMISSÕES, PELOS PRÓXIMOS CEM ANOS AINDA SENTIRÍAMOS OS
EFEITOS – ARGUMENTA FABIO SCARANO, VICE-PRESIDENTE SÊNIOR DA DIVISÃO AMÉRICAS
DA CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL E PROFESSOR DA UFRJ, QUE FOI UM DOS RESPONSÁVEIS
PELO CAPÍTULO DA AMÉRICA CENTRAL E DO SUL DO IPCC.
OS SINTOMAS ESTÃO EM TODA PARTE. PORTO ALEGRE TEVE
O JANEIRO MAIS QUENTE DE SUA HISTÓRIA E, ATUALMENTE, SÃO PAULO SOFRE
COM A FALTA CRÔNICA DE ÁGUA. SITUAÇÕES QUE TENDEM A SE AGRAVAR NAS PRÓXIMAS
DÉCADAS, COM MAIS ENCHENTES NA REGIÃO SUL, SECA NO SUDESTE E RISCOS DE
DESERTIFICAÇÃO EM REGIÕES DO NORDESTE E SAVANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA.
O PROFESSOR MARCOS BUCKERIDGE, DO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS DA USP,
EXPLICA QUE O AUMENTO DA CONCENTRAÇÃO DE GÁS CARBÔNICO NA ATMOSFERA TEM COMO CONSEQUÊNCIA
UMA ESPÉCIE DE “OBESIDADE VEGETAL”. ASSIM, APESAR DE AS PLANTAS
CRESCEREM MAIS, POR AUMENTAREM A TAXA DE FOTOSSÍNTESE COM O A MAIOR
DISPONIBILIDADE DE CO2, CONTUDO, PERDEM NUTRIENTES, PORQUE
A CONCENTRAÇÃO DE NITROGÊNIO É REDUZIDA. A SE CONFIRMAREM
AS PREVISÕES DE QUE A CONCENTRAÇÃO DE GÁS CARBÔNICO NA ATMOSFERA DOBRARÁ ATÉ
2080, OPERCENTUAL DE NITROGÊNIO DAS PLANTAS CAIRÁ 7%, AFETANDO A QUALIDADE
AGRÍCOLA.
– TALVEZ SEJA PRECISO MUDAR O CULTIVO DAS REGIÕES, E ISSO CUSTA
DINHEIRO. É O CUSTO DA MUDANÇA CLIMÁTICA. A QUALIDADE DA SOJA VAI BAIXAR, O
ALIMENTO PODE SE TORNAR MAIS CARO, O QUE PODE LEVAR A PROBLEMAS ECONÔMICOS,
PORQUE A QUALIDADE ESPERADA PELO COMPRADOR PODE NÃO SER CORRESPONDIDA – ENUMERA
BUCKERIDGE.
VISTO COMO UM BOM EXEMPLO AMBIENTAL NO CENÁRIO GLOBAL, O BRASIL TERIA
CHANCE DE SER PROTAGONISTA DA MUDANÇA.
– O BRASIL É O CELEIRO DO MUNDO, PODERÍAMOS APROVEITAR ESTE MOMENTO PARA
PRODUZIR MAIS COMIDA. PARA ISSO, PRECISARÍAMOS DE UMA NOVA REVOLUÇÃO VERDE,
INVESTINDO EM TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR – DEFENDE BUCKERIDGE.
A VIRADA TAMBÉM PASSA POR MUDANÇA NAS FONTES DE ENERGIA. SEGUNDO SUZANA
KAHN, PROFESSORA DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
DE ENGENHARIA (COPPE) DA UFRJ E VICE-PRESIDENTE DO IPCC, 80% DO AUMENTO
DAS EMISSÕES DOS GASES DO EFEITO ESTUFA SE DEVE À QUEIMA DE COMBUSTÍVEIS
FÓSSEIS,O QUE TORNA A QUESTÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL UM PROBLEMA NO USO
DE ENERGIA. E OS OBSTÁCULOS PARA A TRANSIÇÃO SÃO MAIS DE NATUREZA ECONÔMICA
DO QUE TECNOLÓGICA.
– AS TECNOLOGIAS EXISTEM. TEMOS VEÍCULOS ELÉTRICOS, BIOCOMBUSTÍVEIS,
ENERGIA SOLAR. NÃO PRECISAMOS DESCOBRIR NADA NOVO, MAS PASSA POR UMA QUESTÃO DE
ECONOMIA, DE MUDAR O MODELO, RETIRAR SUBSÍDIOS DE SETORES POLUENTES. COM ISSO
JÁ É POSSÍVEL REDUZIR SIGNIFICATIVAMENTE AS EMISSÕES. ALGUMAS MUDANÇAS JÁ ESTÃO
ACONTECENDO, TANTO QUE, MESMO COM A CRISE, FORAM AS ENERGIAS RENOVÁVEIS AS QUE
MAIS CRESCERAM – PONDERA SUZANA.
FABIO SCARANO, DA CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL, LEMBRA QUE MEDIDAS BARATAS
COMO PROTEGER OS MANGUES PODEM SER TÃO EFICAZES COMO CONSTRUIR
CARÍSSIMOS DIQUES PARA CONTER A ELEVAÇÃO DO NÍVEL DOS OCEANOS.
– FICOU PROVADO QUE, QUANDO O TSUNAMI ATINGIU AS ILHAS
DO PACÍFICO, AS QUE TINHAM MAIS COBERTURA VEGETAL NA COSTA SOFRERAM MENOS
IMPACTO DO QUE AS QUE NÃO TINHAM – EXEMPLIFICA SCARANO.
DIANTE DAS ADVERSIDADES CLIMÁTICAS, A GESTÃO DAS CIDADES PRECISARÁ SER
REPENSADA PARA EVITAR O CAOS. EM VEZ DE AGIR NAS EMERGÊNCIAS E SE ESPANTAR COM
CADA “CHUVA HISTÓRICA”, GOVERNANTES PRECISARÃO INVESTIR EM PLANOS DE CONTENÇÃO
DE LONGO PRAZO.
– EXISTE UMA TENDÊNCIA DE CULPAR A NATUREZA, MAS ONDE AS PESSOAS MAIS
ATINGIDAS COSTUMAM MORAR? GERALMENTE EM ÁREAS DE RISCO, COM DRENAGEM
NEGLIGENCIADA AO LONGO DOS ANOS. A MUDANÇA NO CLIMA VAI EXIGIR OUTRA MANEIRA DE
PENSAR NAS AÇÕES, ESPECIALMENTE NA GESTÃO PÚBLICA. É UMA MUDANÇA GLOBAL, MAS
REQUER AÇÕES LOCAIS – DEFENDE O BIÓLOGO JACKSON MÜLLER, PROFESSOR DA UNISINOS.
OS PROGNÓSTICOS INDICAM QUE OS MAIS POBRES SERÃO INICIALMENTE OS MAIS
IMPACTADOS PELAS MUDANÇAS, MAS O PROBLEMA ESTÁ LONGE DE SER UMA QUESTÃO DE
CLASSE: NÃO HÁ IMUNIDADE CLIMÁTICA.
“O Brasil é um dos exemplos mais importantes do mundo”
Presidente
do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que recebeu o prêmio
Nobel da Paz em 2007 pelo trabalho de construir e disseminar conhecimento sobre
as alterações causadas por ação humana, o cientista indiano Rajendra K.
Pachauri teria evidências de sobra para fazer um discurso pessimista sobre
o futuro do planeta.
Mas prefere destacar
a oportunidade única que o mundo tem agora de impedir que as piores previsões
se cumpram – e destaca o Brasil como um exemplo a ser seguido pelas medidas que
tem adotado. Confira a seguir a entrevista, concedida por e-mail:
O senhor disse que
ninguém no planeta ficará intocado pelo impacto das mudanças climáticas. Na sua
opinião, qual o principal risco ignorado?
Rajendra K.
Pachauri – O grande risco que enfrentamos é a falta de ação. Temos a
tecnologia para desacelerar as mudanças climáticas. O risco é não usarmos isso
e continuarmos a seguir com a queima de combustíveis fósseis, a implementação
de políticas danosas de uso da terra, que contribuam para a mudança climática,
e a usar energia de forma ineficiente. Quanto mais o clima for modificado,
maiores riscos iremos enfrentar. Magnitudes de aquecimento aumentam a
probabilidade de impactos graves e generalizados, que podem ser surpreendentes
ou irreversíveis. E, quanto mais esperarmos para agir, mais caro será para
evitar os piores impactos. A mudança climática já está tendo um impacto, e
esses impactos são um prenúncio do futuro se não agirmos para reduzir e,
finalmente, eliminar as emissões de gases que causam o aquecimento global.
Esses impactos já afetaram a agricultura, a saúde humana, os ecossistemas em
terra e nos oceanos, abastecimento de água, e os meios de vida de algumas
pessoas. E estão ocorrendo a partir dos trópicos para os polos, de pequenas
ilhas aos grandes continentes e dos países mais ricos aos mais pobres. No
entanto, são os países mais pobres que mais sofrem com as mudanças climáticas
absolutas.
O IPCC mostra com 95%
de certeza que a influência humana foi a causa predominante do aquecimento
observado desde meados do século 20 – e prevê que as temperaturas podem se
elevar a 4,8ºC até o fim do século. Qual a primeira ação para evitar isso?
Pachauri – Não
há uma primeira ação. Há muitas ações que precisam ser tomadas ao mesmo tempo
em todo o mundo. Felizmente, algumas já estão em andamento por parte dos
governos locais e nacionais e do setor privado. Por exemplo, metade de toda a
nova capacidade de geração de energia elétrica em 2012 veio de energia
renovável. Estamos fazendo progressos, mas precisamos pegar o ritmo. É evidente
que precisamos acelerar o nosso uso de energia renovável. Nós também nos
beneficiaríamos de um acordo global vinculativo em 2015 para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa.
Como convencer os
países a se adaptarem e a mitigarem esses efeitos, apesar de tantos diferentes
interesses políticos e econômicos em jogo?
Pachauri – A
missão do IPCC é fornecer aos gestores políticos informações objetivas sobre a
mudança climática. Essa informação é retirada de milhares de trabalhos de
pesquisa, escritos por profissionais líderes de todo o mundo. Ela representa um
dos empreendimentos mais ambiciosos da história da ciência. Temos esperança de
que as informações que fornecemos irão instruir a discussão política sobre como
responder às mudanças climáticas. Há muitos avanços para comemorar, como
resultados da crescente conscientização sobre as mudanças climáticas, com base
na quantidade extraordinária de informação científica. O custo da energia
renovável caiu, enquanto a eficiência dos dispositivos de energias renováveis
aumentou. A China, maior contribuinte mundial para as emissões de gases do
efeito estufa, está avaliando um limite obrigatório para o uso de carvão, e os
Estados Unidos estão tomando medidas para reduzir a poluição de carbono. Estes
são apenas alguns dos muitos exemplos de todo o mundo que me dão esperança de
que vamos tomar as medidas necessárias para deter a mudança climática.
Que boas práticas o
senhor destacaria no mundo para inspirar outros países?
Pachauri – O
Brasil é claramente um dos exemplos mais importantes do mundo quando se trata
de combater a mudança climática, e vocês devem ser elogiados – e copiados.
Vocês têm mostrado ao mundo que é possível reduzir os impactos das mudanças
climáticas sem consequências drásticas para a economia. Estou falando, claro,
sobre a política brasileira para reverter o desmatamento. Como usamos a terra,
especialmente a forma como tratamos nossas florestas, tem uma grande influência
sobre as mudanças climáticas, porque as plantas absorvem o carbono que de outra
forma aquece a nossa atmosfera. E o Brasil reduziu seu desmatamento em 70%.
Este é um resultado muito tremendo e significa esperança, servindo como um guia
para o resto do mundo.
Qual a sua expectativa para a próxima década?
Pachauri – Esta é uma questão muito difícil de responder, mas espero que os governos de todo o mundo possam chegar a um acordo climático obrigatório em Paris no ano que vem. Espero que aceleremos rapidamente o nosso uso de energia renovável e sigamos os tipos de medidas que o Brasil tem tomado para reduzir drasticamente o seu impacto sobre o clima. Estou confiante de que a consciência sobre a mudança climática continuará a aumentar e que, com essa consciência, teremos apoio crescente para as ações.
Qual a sua expectativa para a próxima década?
Pachauri – Esta é uma questão muito difícil de responder, mas espero que os governos de todo o mundo possam chegar a um acordo climático obrigatório em Paris no ano que vem. Espero que aceleremos rapidamente o nosso uso de energia renovável e sigamos os tipos de medidas que o Brasil tem tomado para reduzir drasticamente o seu impacto sobre o clima. Estou confiante de que a consciência sobre a mudança climática continuará a aumentar e que, com essa consciência, teremos apoio crescente para as ações.
AS DOENÇAS CLIMÁTICAS
Os riscos da mudança
climática para a saúde são um ramo que cada vez ganha maior atenção dos
cientistas. Preocupados com a disseminação de doenças
como malária, dengue e cólera a partir das inundações, secas e desabastecimento,
duas agências da ONU anunciaram a criação de um gabinete conjunto para ajudar a
combater a ameaça que as mudanças climáticas e os fenômenos climáticos extremos
representam para a saúde, Estudo publicado na revista Environmental
Health Perspectives também comprovou a relação entre
o aumento da temperatura e risco de pedras nos rins, associadas a
casos de desidratação e sudorese. Liderada pelo urologista pediátrico e
epidemiológico do Hospital Infantil da Filadélfia, Gregory Tasian, a pesquisa
analisou dados de 60 mil pacientes. Numa comparação a 30°C versus 10°C, o
aumento de risco foi de 38% em Atlanta, 37%, em Chicago, 36% em Dallas e 47% em
Filadélfia.
FONTE: JORNAL ZERO HORA, LETÍCIA DUARTE, 03 de agosto de 2014
(ADAPTADO)
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